quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Um teatro para cada um. Um teatro para todos.

O ESPAÇO NO CENTRO
Eugenio Barba
"Cada um de nós que comece a fazer teatro se confronta com quatro questões, e deve resolvê-las de maneira absolutamente individual.
Como fazer teatro? Como alcançar tamanha eficácia em sua relação com o espectador, o que nós podemos denominar de o artesanato, o aspecto técnico, o savoir-faire? Como utilizar a sua própria presença psíquica, mental e física para suscitar no espectador algumas qualidades de energia que restabelecem o diálogo do espectador com ele mesmo, com sua própria história pessoal e histórica?
Por que fazer teatro? Por que nós passamos anos e anos aprendendo, nos impondo uma autodisciplina? Que voz íntima é esta que nos cochicha baixinho? É esta a verdadeira essência e sabemos que este cochicho nós não podemos formular em palavras sem que nos tornemos ridículos, sem que fiquemos profundamente vulneráveis.
Onde fazer teatro? Dentro da instituição 'teatro' ou fora da instituição? Em um hospital, uma prisão, na rua? Existe uma grande diferença no que diz respeito à visão de mundo, a uma tomada de posição, e também do ponto de vista técnico.
Por que você faz isto? Quem é o seu espectador? Seu espectador, e não seus espectadores. Na verdade, todo o trabalho começa sem pensar no espectador. Ele começa sempre com uma dose de insegurança, deixando jorrar todas as associações, as idéias, as visões mais estranhas, mais chocantes. Depois chega um momento em que o encenador não é mais o camarada, o parceiro leal de seus atores, em que o encenador muda definitivamente de 'campo' e em que ele se torna leal para com seus espectadores. É o momento em que todo o processo começa a ser julgado segundo a percepção do espectador.
Mas qual espectador? Quem é o espectador que me acompanha? Com quem eu diálogo, com quem eu posso me medir, que possa me dar retorno se um pequeno detalhe que meu ator trabalhou durante horas e horas será ou não eficaz? No início, quando eu comecei a trabalhar com os atores, eu não sabia muita coisa. Quando eu tinha problemas, começava a andar pela sala, parava em um canto onde existia um espectador invisível: Grotowski, com quem eu tinha trabalhado três anos. Eu o perguntava: 'Como eu vou resolver isto?'. Ele me dava respostas. Mas eu pensava que se eu fizesse o que ele me dizia, todos me tomariam como um mero imitador. Então eu mudava. Este momento, em que minha indecisão e minha insegurança puderam se confrontar com este espectador tão severo, mas que reagia, engajado, a todas as minhas idéias, foi essencial. Com o tempo, este espectador ficou no meu espírito mas outros espectadores se juntaram a ele. Atualmente, existem ao menos quatro.
Existe uma criança. As crianças, quando ainda pequenas, não têm a capacidade de abstração. É muito importante fazer um espetáculo que uma criança de três anos possa compreender. Então, eu trabalho de maneira a realizar um esqueleto dramatúrgico essencial e simples.
Existe também um espectador surdo. Através do visual, eu devo lhe contar aquilo que as palavras não lhe contam.
O terceiro espectador é cego. Tudo repousa então sobre a maneira com que eu crio o silêncio, com que eu crio o espaço através da voz. A voz lhe dá a sensação de que ele pode relaxar ou prestar atenção porque alguma coisa está lá. Tudo isto em relação ao texto, o que quer dizer uma montagem que, por um lado, utiliza as possibilidades sonoras da língua, e, por outro, todas as associações semânticas que ele pode nos fornecer.
O quarto espectador é Jorge Luis Borges, o homem que leu todos os livros. Então, o espetáculo vai estar repleto de detalhes, associações, citações que somente Borges vai compreender.
Um dia, eu descobri que este espectador fundamental, que de início eu chamava de Grotowski, tinha se transformado. Ele virou uma espécie de olho que me vê e me julga, e que me permite transcender a própria situação do teatro. E aí, eu me religo a uma tradição, a uma história, minoritária mas bastante forte, de um teatro que sempre lutou para que o espetáculo perca a sua função estética de espetáculo e adquira um outro valor para cada espectador individual.
Eu denominei a minha intervenção: 'O Espaço no Centro', porque tudo isto que eu disse dos diferentes espectadores não se endereça a um espectador real, isto se endereça a um 'espectador no centro'. Isto que eu tentei criar é uma planta que nós devemos proteger e sobretudo não forçar, pois corremos o risco de desenraiza-la. Uma planta que possa pulsar neste espaço central, que está em nosso interior, nesta parte de nós que vive exilada, que gostaria de reaparecer e viver em sua própria terra, visível, mas continua lá, escondida. "

2 comentários:

Visitante 28 disse...

Faaaala Pablo beleza? Cheguei ao seu blog, sou o 28º visitante de seu blog. Muito bom esse texto, inclusive, nessa minha jornada até seu blog, pude me encontrar com esses quatro espectadores:
Primeiramente, dei de cara com a criança de três anos, enquanto pastava para encontrar seu blog nesse imenso mar, ela apontava o dedo pra mim e dizia "Seu burro, não sabe nem procurar um blog, hahaha"; depois dei de cara com o espectador surdo que habita em mim, pois não ouvi nada do que meu chefe me dizia, pois estava lendo o texto e não conseguia fazer as duas coisas ao mesmo tempo. em seguida dei de cara com o tal Luis Borges quando li aquela frase profunda de Jung. Mas traumatizante mesmo foi ter visto aquele símbolo horrível de um certo time. Na hora apareceu-me o espectador cego, zombando de mim e dizendo: "Haha! É melhor ser cego do que ver uma coisa dessas!!!" Fazer o quê, né? Ímpressionate como Deus usa as coisas mais bizarras para nos animar a retomarmos antigos projetos, impressionante!!! Em breve o visitante 28 terá um blog (isso se eu conseguir montar um, né? hahahaa)

Alexandra Deitos disse...

Poxa vida...
Até o vistante 28 (seria ele o Fernando... rs rs) conseguiu comentar antes de mim.
HAHAHAHA

Bom...
Agora consegui!!!
Mas meu comentário já é a copia de um trecho para o meu blog!
;)